O Fascínio pelo Outsider

Muito mais que marketing político

O Fascínio pelo Outsider

outubro 21, 2025 Política 0

Entre Freud, Jung e a desilusão com a política, o fascínio pelo outsider revela uma sociedade em busca de redenção e sentido.

A pesquisa mais recente da Quaest revelou um dado revelador: a maioria dos brasileiros diz preferir alguém “de fora da política” para comandar o país. O número traduz algo maior do que mera insatisfação eleitoral — expressa um traço profundo da nossa psique coletiva. Em tempos de descrédito institucional, cresce o desejo de que a salvação venha de quem não faz parte do sistema.

Freud já observava que, diante da incerteza, o indivíduo transfere ao líder a esperança de resolução de suas angústias. O outsider surge, então, como uma figura simbólica: alguém que promete restaurar a ordem interna e coletiva. Jung ampliou essa leitura ao identificar no inconsciente coletivo arquétipos que orientam o comportamento humano. Entre eles, o do herói e o do rebelde — expressões de uma mesma busca por sentido, capazes de funcionar como bússolas de salvação em períodos de caos.

A filósofa Hannah Arendt escreveu que vivemos uma crise de autoridade. As antigas fontes de legitimidade — política, religião, instituições — já não inspiram confiança. Nietzsche chamou esse vazio de niilismo moderno: a morte dos valores transcendentes. Nesse cenário, o outsider ocupa o lugar do antigo mito redentor. Ele encarna a promessa de regeneração moral, mesmo que a sua força esteja mais na crença que desperta do que nas soluções que apresenta.

Mas o fenômeno também é consequência direta da própria política. O comportamento corporativo do Congresso, as sucessivas tentativas de blindagem e a distância entre representantes e representados alimentam o cansaço social. Quando o sistema se protege de si mesmo, o eleitor reage buscando quem o confronte — e não quem o integre.

As redes sociais intensificaram esse impulso. A comunicação direta, sem mediações, reforça a ilusão de autenticidade e torna o discurso do “contra tudo isso que está aí” ainda mais sedutor. É o populismo de performance, em que o carisma digital substitui a experiência e a coerência.

No Brasil, a chamada “Marçalização” é a face contemporânea desse impulso. A mistura de fé, empreendedorismo e autoajuda criou um novo messianismo digital — em que o líder se apresenta como exemplo de superação e guia moral de uma sociedade cansada.

O fascínio pelo outsider revela, no fundo, uma crise de confiança no próprio indivíduo. Quando não acreditamos mais em nossa capacidade de transformação, buscamos fora aquilo que deveríamos reconstruir por dentro. E assim, de eleição em eleição, seguimos à espera de alguém que venha de fora para nos salvar.Ailton Bosi é publicitário e especialista em marketing político.

 

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